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sábado, 17 de dezembro de 2011

RELATO DE PERCALÇOS FAMILIARES

SUZANA NÃO ERA rica nem pobre. Tinha uma vida confortável de classe média. Sua vida ficou ainda melhor quando nasceu sua linda filha, Clara, do jeito que o casal desejara. Ela e seu marido, Humberto, asseguravam que sua menina tivesse todas as necessidades atendidas e mais, que ainda tivessem condições de passar anualmente férias na praia.

Humberto tinha uma pequena papelaria de onde tiravam o sustento. Suzana era parceira nos negócios do marido, auxiliando-o em todas as tarefas. Tinham boa organização de trabalho, o que mantinha sua vida em equilíbrio. Contudo, vieram tempos difíceis que afetaram de modo negativo o ofício de Humberto e após um terrível período de três anos em que os negócios não iam bem, a pequena empresa quase veio a falir. O marido de Suzana teve que apelar para a representação de vendas para manter a família. Mesmo com todo apoio da mulher, que o ajudava como podia, ainda assim o dinheiro não chegava para as despesas da pequena família.

Suzana ressentia-se do fato de não estar contribuindo com qualquer renda e queria agora arranjar um emprego com um salário digno. Tinha um certo receio de recomeçar, mas tinha fé de que tudo ficaria bem. Começou a procurar emprego. Achou o ato de preencher formulários um pouco difícil, especialmente no tocante à exigência de referências. Sentia como se o trabalho que tivera não servisse para coisa alguma, pois até agora não fora chamada para uma entrevista.

Nessa época, sua mãe, que morava em outro bairro, adoeceu com gravidade, tendo sido necessário interná-la por várias semanas. De volta a casa, a mãe de Suzana precisou de cuidados, tarefa que Suzana tomou para si, tratando de sua mãe enferma com dedicação e amor, embora possuindo apenas noções na área de cuidados e saúde. Mas, a boa vontade tudo supera e em pouco tempo Suzana atendia a mãe convalescente, fazia compras, trocava lençóis, arrumava a casa e assumia todas as demais tarefas para as quais a idosa ainda se encontrava impossibilitada. Felizmente, a mãe de Suzana tinha uma renda razoável, graças à aposentadoria e fez questão de pagar à filha por seu tempo e trabalho.

Dona Guilhermina recuperou-se quase totalmente e pôde dispensar os bons serviços da filha. Suzana continuava precisando e desejando encontrar uma fonte de renda. Na semana seguinte, teve notícia a respeito de um dos empregos aos quais se candidatara.

Soube que havia sido aprovada na entrevista e que fora considerada "exatamente" o que os empregadores procuravam. Por sorte era um emprego de meio expediente - aliás, tinha que ser, em vista da correria em que vivia. Ficou feliz. Um emprego agora era tudo o que queria. Era importante que saísse do trabalho a tempo de estar em casa quando Clara chegasse da escola. Foi informada de que seria chamada em breve. O fato de saber que teria um emprego a fez sentir-se satisfeita e produtiva. Duas semanas depois, porém, recebeu um e-mail informando-a que a empresa tinha transformado a função para a qual ela fora aprovada em um cargo que exigiria horário integral - que ela não poderia cumprir - e formação em curso superior - a qual ela não tinha. Suzana ficou arrasada. Sentiu-se traída, com a sensação de que fora iludida. Estava só naquela noite, marido e filha haviam saído. Achou boa aquela solidão ocasional. Poderia afogar suas mágoas num reconfortante banho quente. Entrou na banheira e começou a chorar, a princípio suavemente, aquele choro de quem sofre alguma rejeição, real ou imaginária - mas que dói da mesma forma - Três longos anos de luta pesavam sobre seus ombros nesse momento. Chorou mais e mais, enraiveceu-se por conta das circunstâncias e orou a Deus. "O que o Senhor quer que eu faça?" clamou. Sentia-se como se abandonada por Deus.

Quando não havia mais lágrimas, estava cansada, mas confortável na banheira de água tépida. Ocorreu-lhe uma ideia, assim do nada. Que tal se oferecesse ajuda domiciliar a idosos? Do modo como havia trabalhado para sua própria mãe, desempenharia agora a mesma função. Terminou então seu banho calmamente. Seu semblante já revelava fé e esperança.

No dia seguinte imprimiu folhetos e cartões e distribuiu-os pela vizinhança, entre a mercearia, a farmácia, a padaria e a igreja. Depois colocou um pequeno anúncio no semanário do bairro. Em uma semana conseguiu dois clientes!

Os clientes foram aparecendo e se tomando de simpatia e carinho por aquela mulher doce e carismática. Hoje, mesmo não sendo uma empresária ou funcionária importante de uma grande empresa, se sente feliz e produtiva novamente. Não, Deus jamais abandonou Suzana à própria sorte.

Os anos vindouros também foram de lutas, mas já o pior havia passado. Humberto foi capaz de diversificar seu negócio, agora não apenas uma simples papelaria, mas também um ponto de venda de "softwares" e outros artigos ligados à informática. A empresa, fortalecida, crescia e começava a dar lucro. Humberto estava satisfeito com sua atividade, feliz com a abundância recém adquirida. A filha tornara-se uma jovem estudiosa e ocupava-se agora em obter boa colocação no Exame Nacional do Ensino Médio, para garantir qualificação a uma vaga em universidade federal.

Bem, no decorrer deste relato, que por sinal é a história de uma família de amados amigos, não pude deixar de estabelecer um paralelo entre a vida de Suzana e sua família, aliás entre a vida da própria Suzana e uma borboleta que emerge de sua crisálida. A borboleta tem que esgueirar-se com muita dificuldade, lutando muito. Ao espremer-se para fora de sua crisálida sólida, certas matérias ácidas são removidas de sua asas. Se alguém "bem intencionado" romper a crisálida de modo a facilitar a saída do lepidóptero, a borboleta morre por causa dos tais ácidos. Em essência, a luta é necessária para que a borboleta saia forte e bela de sua crisálida. Ao término da luta, a borboleta pode finalmente sair e cumprir sua obrigação enquanto criatura de Deus, polinizando seres do reino vegetal ao tempo em que compartilha sua graça e leveza com o mundo que a cerca.



Marcos A. De Barros
Setembro de 2011.

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